Com exeção da Oceania, que não teve picos de tensão durante o ano de 2023, todos os outros continentes do mundo presenciaram alguma instabilidade que acendeu o alerta da comunidade internacional em relação a segurança global e ao que se deve esperar de 2024. Entre atritos entre Estados, rebelião de grupos insurgentes e manifestações contra decisões governamentais, que desencadearam em ondas de manifestações, foi possível ver um muneo em ebulição. Todos esses episódios escancararam problemas que há tempos já vinham de manifestando, mas que agora transbordaram. Eles têm o poder de mexer com a ordem global, princiapalmente quando se leva em consideração que, no próximo ano, quase metade do mundo vai passar por eleições — e o que mais deve pesar para os eleitores na hora da votação é a questão da segurança, deixando em segundo plano a solidariedade internacional que até então estava muito presente. Relembre os conflitos que marcaram 2023.
Quase dois anos de guerra entre Rússia e Ucrânia
Em fevereiro, Rússia e Ucrânia completaram o primeiro ano de guerra – eles se encaminham para o segundo em 2024. O conflito no Leste Europeu, que tomou conta da atenção internacional em 2022, acabou perdendo o protagonismo nos últimos meses devido à contraofensiva sem sucesso da Ucrânia, desgaste e o impasse que se criou, onde nenhum dos lados consegue avançar. Congelado na maior parte do ano, a guerra voltou a ter bombardeios durante o mês de dezembro, porém, com intensidade bem menor daqueles registrados quando Vladimir Putin lançou a operação militar no território ucraniano. Apesar das últimas movimentações, o conflito segue ofuscado pela guerra entre Israel e Hamas, no Oriente Médio, que tem sido o maior foco da comunidade internacional. Para o segundo ano do conflito, o líder ucraniano Volodymyr Zelenksy luta para manter o apoio ocidental. Ele corria o risco de ficar sem recurso neste final de ano porque o Congresso dos Estados Unidos não tinha aprovado o pacote de ajuda militar. Antes do recesso de final de ano, os parlamentares americanos deram o aval, porém com um valor bem menor do que tinha sido idealizado pelo presidente Joe Biden e seu colega ucraniano.
Revolta em Israel contra reforma judicial
Desde o começo de 2023, centenas de manifestantes saíram às ruas em Israel para protestar contra a reforma judicial que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu pretendia implantar — ação concretizada no meio do ano. O projeto limita as capacidades do Supremo Tribunal e é vista pela população como uma ameaça à democracia por atentar contra a separação de poderes e a independência do Judiciário. A aprovação da reforma acabou com a doutrina da razoabilidade, que permitia que o Supremo Tribunal revisasse e revogasse decisões ou nomeações do governo e é vista pelo movimento de protesto contra a reforma como uma garantia democrática fundamental contra abusos de poder. Outras mudanças propostas incluem dar ao governo maior poder na nomeação de juízes. A reforma defendida pelo governo tem como objeto aumentar o poder dos funcionários eleitos sobre o dos magistrados.
Tensão entre Israel e Cisjordânia
Antes da guerra entre Israel e Hamas, a animosidade entre israelenses e palestinos já vinha ganhando força durante o ano. O início de 2023 registrou o ano mais tenso entre os dois povos desde 2000. De janeiro a até março, foram registrados 87 palestinos mortos contra 13 baixas israelenses. O confronto entre as partes, nesta época, já estava longe do fim, e só piorou com o passar dos meses, ainda mais com ambos os lados tendo líderes extremistas no poder e com a ganância de Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, em aumentar os assentamentos na região, além de ameaçar anexar a Cisjordânia a Israel.
Taiwan, China e EUA
A relação entre Chine e Estados Unidos ficaram ainda mais abaladas neste ano após um episódio envolvendo um balão chinês que sobrevoou por dias o espaço aéreo norte-americano sem autrização. Ainda há dúvidas sobre o que realmente era esse objeto voador. Os chineses dizem que se tratava de um balão de pesquisa com funções meteorológicas, enquanto os EUA desconfiam de uma ação de espionagem. A questão é que, após essa primeira aparição, outros lugares do mundo passaram a registrar a presença deste mesmo objeto. O mais recente episódio foi em Taiwan. A lha, aliás, acirrou ainda mais a tensão entre essas duas superpotências. Enquanto a China constantemente realiza manobras militares ao redor dela, como uma forma de intimidação e ameça de possível invasão, os EUA anunciaram um pacote de US$ 345 milhões em ajuda militar para Taiwan — eles são os principais fornecedores de arma para a ilh, o que gera há anos o protesto dos chineses.
Reforma da previdência na França
A aprovação da reforma da previdência na França deu o que falar e levou centenas de pessoas às ruas para manifestar contra a decisão do presidente Emmanuel Macron, principalmente após ele usar o código 49:3, presente na Constituição, que descarta o voto dos deputados. Fui uma aprovação “forçada”, e essa ação desencadeou em manifestações mais intensa, algo que até então estava sendo realizada de forma pacífica. A aprovação da reforma da previdência adia a idade de aposentadoria de 62 para 64 anos a partir de 2030 e antecipa para 2027 a exigência de contribuição por 43 anos (e não 42, como atualmente) para receber a pensão integral. Apesar de não ter relação com a aposentadoria, a França também se viu imersa outro protesto neste ano após a morte de um jovem descendente de argelinos de 17 anos baleado pela polícia na França. A questão migratória é um problema recorrendo no país, que não se preparou para incorporar seus migrantes vindos principalmente de locais colonizados pelos franceses.
Conflito no Sudão
Este país africano de cerca de 45 milhões de habitantes viu neste ano um problema dos anos 2000 explodir e desencadear em um confronto entre o exército do general Abdel Fatah al Burhan, governante de fato do Sudão desde o golpe de 2021, e seu rival, o general Mohamed Hamdane Daglo, líder das Forças de Apoio Rápido (FAR). Eles já chegaram a ser aliados, mas se separaram porque Daglo não reconhece Burhan como líder, o que desencadeou em uma disputa pelo poder em que os dois homens querem ter a liderança. Comandar, as forças armadas é vantagem no que diz respeito as políticas que terão consequências de controle de atividades econômicas. Esse conflito desencadeou em um êxodo de estrangeiros, que fez a ONU acionar um alerta devido à possibilidade de desencadear em uma onda migratória sem precedentes. Desde a década de 50, o Sudão já teve duas dezenas de golpes militares, e essa instabilidade política se explica por uma dificuldade politica em ter um governo centralizado que seja reconhecido. São centenas de governos mal sucedidos e/ou ditatoriais com insatisfação popular, questões éticas e militares envolvidos.
Revolta do grupo Wagner
No final de junho, o Grupo Wagner surpreendeu o mundo inteiro ao iniciar um motim contra a Rússia e obrigou o presidente Vladimir Putin a instaurar o “regime contra-terrorista” e reforçar a segurança em Moscou. Os militares chegaram a dominar algumas cidades e receber o apoio popular. Eles inclusive tomaram posse da base militar de Rostov sem disparar “um único tiro” e foram vistos em Pavlosk e Voronezh, a cerca de 400 quilômetros da capital do país. Toda a ação foi liderada por Yevgueni Prigozhin, comandante do grupo paramilitar. Após algumas horas do motim que colocou Putin em alerta e impressionou a comunidade internacional, Prigozhin, até então um velho aliado do líder russo, recuou e anunciou o fim da rebelião contra o governo. O motim foi o maior desafio que Putin, que chamou este ato de “traição”, enfrentou desde que chegou ao poder. Depois do episódio, o líder mercenário precisou se isolar, mas depois retornou para a Rússia, onde morreu em acidente de avião em agosto. Não foi o primeiro caso em que um opositor de Putin morreu ou desapareceu de forma misteriosa.
Golpe militar no Níger
No final de julho, o exército do Níger comandou um golpe militar e derrubou o presidente Mohamed Bazoum e assumiu o poder. Este ato deixou a situação tensa neste país africano e aumentou as chances de mais um conflito no planeta — a região é mais um polo de atrito entre Rússia e Ocidente —, principalmente depois que os países da África Ocidental aprovaram uma intervenção no Níger “o mais rápido possível” para expulsar do poder os autores do golpe de Estado, o que gerou em uma resposta imediata de Burkina Faso e Mali, também liderados por militares que tomaram o poder à força nos últimos anos. Os dois países afirmaram que, se o Níger fosse atacado, considerariam isso “uma declaração de guerra”. O Níger já experimentou quatro golpes e dezenas de tentativas. Mohamed Bazoum chegou ao poder em 2021 após vencer as eleições com mais de 55% dos votos, sendo a primeira vez em 60 anos de independência que o Níger teve uma transição de presidentes eleitos. Essa instabilidade é comum nos países africanos e se dá pela história de colonização. A constituição costuma ser um mix de tribos, religiões e línguas que muitas vezes não se entendem sobre os próprios desenvolvimentos e identidades nacionais.
Operação militar do Azerbaijão no território de Nagorno-Karabakh
Em meados de setembro, o Ministério da Defesa do Azerbaijão anunciou o início de uma “operação antiterrorista” em Nagorno-Karabakh após a explosão de duas minas e um ataque com armas leves e morteiros, atribuído pelo governo do Azerbaijão a “um grupo de sabotagem de formações militares ilegais da Armênia”, país vizinho com o qual tem relações tensas. O objetivo da operação era expulsar as formações armadas da Armênia do país, neutralizar sua infraestrutura militar, garantir a segurança da população civil e restaurar a ordem constitucional. O território de Nagorno-Karabakh, autoproclamado independente em 1991, é alvo de discussões entre Armênia e Azerbaijão, que já se enfrentaram em duas guerras. Na primeira, no começo da década de 1990, os armênios saíram vitoriosos. Na segunda, em 2020, os azerbaijanos triunfaram. Sob o direito internacional, o território pertence ao Azerbaijão, mas abriga armênios étnicos. No conflito mais recente, Baku recuperou mais de dois terços do território da região. As tensões entre os dois países aumentaram em dezembro em meio a denúncias sobre movimentos de tropas de ambos os lados. As nações ameaçaram anular o cessar-fogo acordado com mediação da Rússia em 2020.
Guerra entre Israel e Hamas
No começo de outubro, o grupo islâmico Hamas atacou Israel e originou em um guerra no Oriente Médio que tem sido o foca da atenção da comunidade internacional. Em quase três meses de conflito, já são mais de 20 mil mortos, sendo a maior parte na Faixa de Gaza, que vive uma grave crise humanitária, com centros médicos destruídos, milhões de refugiados internos, reféns do Hamas e escassez de água e alimento, devido ao cerco importo pelos israelenses logo no começo da guerra, que, segundo Benjamin Netanyahu, só vai terminar quando o Hamas for eliminado. Já o grupo islâmico pretende acabar com Israel. O Conselho de Segurança da ONU já tentou aprovar quatro resoluções para está guerra, sendo uma do Brasil, que obteve 12 votos a favor, um contra, dos Estados Unidos, e duas abstenções. Nenhuma foi concretizada porque quando um membro permanente vota contra, a resolução é rejeitada mesmo com maioria. Até o momento, a única aprovação foi de uma resolução que falava sobre as proteção das crianças, contudo, Israel informou que não iria implementá-la. Aproximadamente 250 pessoas foram sequestradas pelo grupo islâmico, das quais 129 continuam presas na Faixa de Gaza, de acordo com Israel. As partes chegaram a um acordo que possibilitou a libertação de alguns reféns em troca de presos palestinos, mas foi encerrado depois de sete dias.
Venezuela e Guiana lutando por Essequibo
Venezuela e Guiana reacenderam no final do ano uma tensão antiga entre os países sul-americanos. Isso porque Caracas resolveu reivindicar Essequibo, uma região rica em petróleo e minerais que alega lhe pertencer. Atualmente, a ex-colônia britânica é dona da região. No começo de dezembro, um referendo foi realizado por Nicolás Maduro, presidente venezuelano, para saber se a população era a favor ou não da anexação. O sim venceu, e o líder da Venezuela chegou a divulgar um novo mapa de seu país em que Essequibo, que representa mais de 70% da Guiana, já contava como parte de seu território. Essa decisão intensificou a tensão entre os países e fez o presidente guianense, Ifaarn Ali, pedir ajuda dos Estados Unidos e considerar instalar uma base norte-americana em seu território, algo que irritou Caracas. A oscilação da tensão também caiu sobre o Brasil, que faz divisa com os dois países. O governo brasileiro chegou a conseguir que os líderes se reunissem para discutir a situação, e Maduro aceitou adiar a anexação da região. Em 2024, os líderes devem voltar a se reunir no Brasil para retomar as dicussões sobre a situação. Como já adiantado por Ali, não terá Essequibo como pauta central, uma vez que, segundo ele, seu controle não é discutível.
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