Nesta sexta-feira, 1/12, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) realizará uma reunião pública da diretoria colegiada para revisar a proibição dos cigarros eletrônicos, vigente desde 2009. Atualmente, cerca de 80 países já permitem a comercialização desses produtos. No Brasil, mesmo banidos, os dispositivos eletrônicos para fumar são amplamente disponíveis. Uma pesquisa realizada pelo Ipec em 2022 apontou que há cerca de 2,2 milhões de adultos consumidores regulares de cigarros eletrônicos no país — o mercado, totalmente ilegal, é dominado por produtos contrabandeados.
Em outubro, a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) apresentou um projeto de lei para regulamentar a produção, a importação, a exportação, a comercialização, o controle, a fiscalização e a propaganda dos cigarros eletrônicos no Brasil. Ao defender sua proposta, a parlamentar destacou que a comercialização dos vapes ocorre livremente no país e expõe ao risco os consumidores, que não sabem que tipo de produtos ou substâncias estão consumindo. “Que riscos essas pessoas estão correndo? Por que nós estamos parados sobre esse assunto tão sério, enquanto o consumo se espraia por quase 6 milhões de adultos?”, questionou.
A parlamentar também citou os prejuízos causados pela sonegação fiscal. “Do ponto de vista econômico, a importação e a comercialização dos dispositivos eletrônicos para fumar são realizadas à margem do sistema tributário, com elevadas perdas de arrecadação”, ressaltou. De acordo com um estudo da FIEMG (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais), o mercado potencial dos cigarros eletrônicos atingiria R$ 7,5 bilhões anuais. Considerando exclusivamente a importação, a arrecadação média anual de impostos federais poderia chegar a R$ 2,2 bilhões.
O aspecto econômico tem grande relevância, mas a principal preocupação hoje envolve a saúde pública. Atualmente, a venda sem controle de cigarros eletrônicos ocorre por meio de diversos canais, incluindo sites, redes sociais, tabacarias, bares, baladas e aplicativos de entrega. O comércio indiscriminado facilita o acesso desses dispositivos a menores de 18 anos, que não deveriam, de forma alguma, consumir esses produtos — segundo um levantamento do IBGE, 22,7% dos adolescentes entre 16 e 17 anos já experimentaram cigarros eletrônicos no país.
Com a inexistência de regras e controle, é quase impossível calcular o risco enfrentado pelos consumidores de cigarros eletrônicos no Brasil, afirmam especialistas. “Sem regulamentação, não se sabe o que está sendo comercializado. Não há controle sobre os produtos, principalmente pela presença de adulterantes, podendo causar bem mais males à saúde”, diz o farmacêutico Joelmir Silva, professor titular na Faculdade de Medicina de Olinda (PE). “A ausência de padronização da composição e os limites de componentes são outros problemas decorrentes da falta de regulamentação.”
Redução de danos
Os cigarros eletrônicos, também conhecidos como vapes, são dispositivos que vaporizam uma solução líquida para ser inalada pelo usuário. Eles são projetados para simular a experiência de fumar tabaco convencional, mas não envolvem a queima de tabaco. Estudos comprovam que, pelo fato de não haver combustão, o risco potencial para o consumidor é até 95% menor em comparação com o uso de cigarros convencionais. É o que revelou um estudo do King’s College London, na maior revisão científica já feita sobre o tema, envolvendo mais de 400 estudos — os dados foram divulgados pelo Ministério da Saúde da Inglaterra em setembro de 2022. Em setembro deste ano, o Cochrane, reconhecida rede internacional de saúde pública com sede no Reino Unido, publicou um estudo concluindo com alto grau de certeza que os cigarros eletrônicos com nicotina são eficientes para os fumantes pararem de fumar no período de seis meses ou mais, em comparação com tratamentos baseados na reposição de nicotina.
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Com base nessas e outras evidências, os cigarros eletrônicos, quando regulamentados, são apontados como alternativas de risco reduzido para adultos fumantes em relação ao cigarro convencional. Eles podem atuar na estratégia conhecida como “redução de danos” — um conjunto de ações de saúde pública que visa a minimizar os danos causados pelo uso de diferentes substâncias, sem necessariamente se abster do seu uso.
Vários países já adotam políticas ancoradas nesse conceito. O Canadá, reconhecido como referência no controle de tabaco e que havia proibido os vapes no mesmo ano do Brasil e já regulamentou os produtos, declara que caso não consigam abandonar os cigarros com terapias e tratamentos, os fumantes devem seriamente considerar migrar para cigarros eletrônicos, que oferecem menos risco à saúde em comparação ao cigarro tradicional. No Reino Unido, o governo busca reduzir o número de fumantes para 5% até 2030, promovendo vaporizadores como alternativas de risco reduzido ao cigarro convencional. A Suécia, outro país que incentiva os fumantes a mudarem de cigarros convencionais para alternativas menos prejudiciais à saúde, caminha para se tornar a primeira nação “livre do tabagismo” na Europa, com uma taxa de prevalência de tabagismo abaixo de 5% da população.
Para o engenheiro eletricista Miguel Okumura, de 36 anos, a regulamentação dos cigarros eletrônicos é fundamental por diversas razões — a mais importante delas é a possibilidade de ajudar as pessoas a abandonarem o tabagismo. “Com a adoção do vaporizador, temos uma oportunidade única de oferecer ajuda a essas pessoas que não desejam ou não conseguem deixar de fumar por meio dos métodos tradicionais”, afirma Okumura, que começou a consumir cigarros eletrônicos em 2017, após realizar uma pesquisa aprofundada sobre seus impactos na saúde. O engenheiro criou, inclusive, o Vaporacast, um podcast que busca desmistificar os dispositivos eletrônicos de fumar e oferecer informações a outros consumidores.
De acordo com Lauro Anhezini Junior, diretor de Assuntos Regulatórios e Científicos da BAT Brasil, a melhor forma de eliminar o risco do tabagismo é parar totalmente o consumo. “Mas, se a pessoa não quer ou não consegue, o cigarro eletrônico regulamentado é uma alternativa de menor risco”, afirma. Para isso, é necessário que o produto siga padrões estabelecidos. “É preciso controlar a temperatura e a voltagem do dispositivo, assim como se faz com qualquer produto eletroeletrônico, para garantir a segurança. Além disso, o produto deve ter um sistema fechado e inviolável, para que o consumidor não manipule o líquido e acrescente substâncias impróprias para inalação.”
Com a regulamentação da venda de cigarros eletrônicos, em 2021, os Estados Unidos superaram a chamada crise de Evali, uma doença pulmonar causada pela utilização do acetato de vitamina E como diluente do THC (princípio ativo da maconha) em vaporizadores ilegais. A conclusão foi de uma investigação publicada pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA. O órgão americano emitiu um alerta aos consumidores, recomendando comprar cigarros eletrônicos apenas de lojas confiáveis, assim como se abster de modificá-los ou adicionar qualquer substância que não seja prevista pelo fabricante.
Controle rigoroso
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Vale lembrar que regulamentar não significa liberar indiscriminadamente. Um mercado regulado implica o acesso a produtos submetidos a rigoroso controle sanitário, monitoramento e fiscalização, alinhando-se às regras vigentes no país. Isso abrange desde advertências claras nas embalagens até a detalhada descrição de componentes, incluindo o controle preciso da concentração de nicotina. Além disso, a regulamentação visa impedir o acesso desses produtos por menores de 18 anos de idade, estabelecendo pontos de venda específicos e implementando a devida fiscalização para compra de cigarros eletrônicos.
“É importante ter regras claras sobre a forma como se divulgam esses produtos, como devem estar expostos nos pontos de venda e quais tipos de sabores estarão disponíveis, para não haver sabores apelativos para os menores de 18 anos, como cookie, chocolate ou sorvete. É preciso também definir os limites de nicotina. Tudo isso faz parte de uma regulamentação adequada”, diz Anhezini.
Ele destaca que, uma vez regulamentado o cigarro eletrônico, é importante investir em informação, educação e comunicação sobre o produto. “As pessoas necessitam de orientação para compreender que o cigarro eletrônico não é isento de riscos à saúde. Quem não é fumante não deveria começar a consumi-lo. Ele é um produto voltado a adultos fumantes que desejam uma alternativa de menor risco”, afirma. “A clareza sobre o propósito do produto é essencial, permitindo que os consumidores compreendam os riscos associados e possam tomar decisões informadas sobre sua liberdade individual no consumo de um produto de nicotina. O objetivo, em suma, é promover um consumo consciente e responsável.”
Vaporizadores e produtos de tabaco aquecido são produtos destinados a maiores de 18 anos, assim como o cigarro. Estes produtos não são isentos de riscos.
A redução de riscos de vaporizadores e produtos de tabaco aquecido é baseada nas evidências científicas mais recentes disponíveis e desde que haja a substituição completa do consumo de cigarros tradicionais.
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