Os efeitos das ondas de calor extremo são mais intensos para as populações de áreas periféricas dos centros urbanos e esses impactos incidem particularmente sobre as populações negras, maioria nessas localidades. É o que avalia o pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF), referência no debate sobre racismo ambiental, Diosmar Filho.
“Nessas áreas, há menos infraestrutura e menos assistência à saúde, ao transporte, ao saneamento e à moradia. E tudo isso tem relação com a forma como vamos enfrentar os efeitos causados pelas mudanças climáticas, por exemplo, no momento das chuvas ou no aumento da temperatura com as ondas de calor”, afirma Filho, que também é coordenador científico da Associação de Pesquisa Iyaleta.
Bairros periféricos, que geralmente são mais adensados e sem áreas verdes, estão também mais sujeitos a problemas de abastecimento de água e de energia elétrica. Todos esses elementos são apontados como fatores que agravam os efeitos de um dia muito quente. O geógrafo lembra ainda que, nesses dias, é preciso beber mais água. “Há áreas onde a água não chega em quantidade e qualidade. Em Salvador, por exemplo, há regiões periféricas que chegam a ficar um mês inteiro sem abastecimento”, enfatiza.
A Associação de Pesquisa Iyaleta investiga as mudanças climáticas e as desigualdades raciais, de gênero, sociais e territoriais. Há mais de dois anos, pesquisadores de áreas que vão das ciências humanas às ciências da saúde, vem aprofundando os estudos em áreas urbanas situadas dentro do perímetro da Amazônia Legal. Eles chamam atenção para as características dos chamados aglomerados subnormais, classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para formas de ocupação irregular do solo com fins de habitação em áreas urbanas.
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Diosmar frisa que o tipo de edificação visto nesses espaços é um complicador. O geógrafo aponta para a existência de moradias insalubres, com pouco espaço e teto baixo. “Se você tem uma onda de calor e você tem uma área aonde você não há grande circulação de ar, certamente vai haver um impacto direto nas condições de saúde das pessoas”, avalia o geógrafo.
Os pesquisadores observaram que, nos casos de Cuiabá e Porto Velho as questões territoriais e a desigualdade urbana influenciam a forma como as mudanças climáticas impactam as populações negras e indígenas. “Em relação ao saneamento básico, mulheres negras (79,38%) e homens negros (78,24%) residentes na área urbana de Cuiabá, apresentam a menor proporção de acesso ao esgotamento sanitário adequado (rede de esgoto geral e uso de fossa séptica) se comparada às das pessoas brancas (mulheres – 86,3% e homens –85,91%)”, registra o estudo.
Nos estudos em Cuiabá e Porto Velho, os pesquisadores também buscaram avaliar indicadores de saúde associados a arboviroses, como são chamadas as doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti: dengue, zika e chikungunya. Indicadores colhidos pelos pesquisadores em Cuiabá apontam que as arboviroses atingem a população negra com maior intensidade. Considerando as mulheres diagnosticadas com dengue entre 2014 e 2020, 54,79% eram negras, 14,85% brancas e 0,39% indígenas. Entre os homens, os números são similares, com 54,85% dos atingidos sendo negros, 13,06%, brancos e 0,72%, indígenas.
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Um outro estudo publicado pela Associação de Pesquisa Iyaleta presentou contribuições para o Plano Nacional de Adaptação (PNA). Seu objetivo é orientar gestores públicos na adoção de iniciativas com o objetivo de minimizar o risco climático no longo prazo e reduzir a vulnerabilidade à crise do clima.
Para Diosmar, é preciso pensar políticas públicas setoriais, territoriais e locais. “Precisamos de estados e municípios com políticas de moradia, de saneamento, de saúde e de educação integradas. Precisamos olhar o saneamento como parte de um processo de educação em tempo de mudanças climáticas, precisamos de moradia que se afaste desse modelo que aprisiona, onde as pessoas das periferias das grandes cidades vivem dentro de pequenas casas de seis metros quadrados”, diz.
(Com Agência Brasil)
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